sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Samsara Forever

Com minha alma em seu inverno, entrego meu nirvana por um passo em falso, algo que me lembre da minha carne viva e da sua pele, salobra a qualquer paladar onisciente. A mente produz refugos, boddhisattvas que duelam empunhando mantras, sutras, relâmpagos e caduceus de puro entendimento, derrotando nada mais que suas próprias palavras, lâminas trincadas e imperfeitas. Não mais meia lótus. Não mais desapêgo de toda esta teia de Megahertz, terabytes, memes alheios e viagens em máquinas do tempo montadas em laboratórios que sentem medo, detritos criando um anel de poeira que gravita em torno de um planeta cujo núcleo esfria a cada instante perdido pensando em instantes perdidos. Termos apenas uma chance me parece agora assustador, mas é também um imenso privilégio, negado a todo o panteão de deuses e pop stars que habitarão esta mentira agridoce, este oceano repleto de sereias e faróis sem vigia, um koan sem reflexão alguma depois. Para nós, anônimos e únicos, há a possibilidade de entender, de aceitar, de deixar a onda bater com tudo, e na espuma do caixote, abrir um sorriso sincero. Há a chance de escapar de todos esses algorítimos kármicos e residir apenas na aritimética consciente onde Eu e Tudo, homem e cosmos, subtraem-se a apenas um.
E
são
Zero.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Voltando para casa

Estou voltando para casa. Calçando nomes emprestados de santos, bardos e monstros, caminhei por muito tempo em territórios feitos de medo e apego. Desci crateras e desfiladeiros iluminadas apenas por archotes à prova de toda a água salobra que irriga estatísticas que, enquanto lambem o sangue do seu dia seguinte, sussurram em seu ouvido histórias vividas por um único personagem andrógino e anônimo, mas que pensa ter nome e receber um abraço seu sempre que você abre a porta da cozinha. A cada passo, fiz-me cartógrafo e mapa, desenhando golfos, enseadas, cordilheiras e mares em carne viva e saliva batizada, nomeando-os de acordo com a força de ventos que invariavelmente sopram na direção de algum oásis no deserto. Mas não há oásis e não há deserto; há miragens, um caledoscópio sensorial onde matamos e fodemos, pagamos contas e pecados, sonhamos e esquecemos, para no fim deixar como herança um último sopro na face de alguém que nos amou por um momento. Estou voltando para casa. Jogo fora bússolas e não pergunto direções. Me guio apenas pela luz negra da supernova em perpétua explosão visível apenas quando se olha para o zênite, de tamanho brilho que incendeia retinas feitas de todas as ilusões esquizofrênicas, certas de que são quem apenas eu posso ser. Quando chegar à porta, deixarei todas as coisas acumuladas durante os anos. Rasgarei cartões postais de lugares que só existiram quando decidi enxergá-los através de minha catarata. Ao passar pela porta, minhas rugas se tornarão cinzas e minhas cicatrizes, sonhos. Largarei meus desejos e deixarei que cheguem até a estratosfera no porão. Quando chegar em casa, hei de apenas Sou. Finalmente, sentarei à lareira e, fascinado e grato, contarei uma história de carbono e mantras.